Hidromel: A bebida da Perfeição
Deixa o homem segurar a taça,
Mas que beba moderadamente hidromel,
Fale de forma sensata ou fique em silêncio.
Se cometer uma falha
Ninguém o repreenderá,
Se for dormir em bom tempo
Havamál, estrofe 19
Beber é um ato
sacramental de comunhão. É um rito de agregação que vincula os membros de uma
comunidade à memória dos seus espíritos ancestrais. O hidromel caracteriza os
rituais das culturas antigas dos Celtas, Saxões e dos Viquingues, como um
instrumento catalisador da transformação do espírito humano e meio de abertura
à comunicação com o Mundo Superior. É a bebida da imortalidade e dos deuses,
daí o seu carácter exclusivamente cerimonial, que a distingue da cerveja
fabricada e consumida com propósitos mais mundanos para extasiar e estimular a
coragem dos guerreiros. Só os sacerdotes conheciam os segredos dos seus
ingredientes e só eles estavam autorizados a preparar a bebida dos sábios para
os grandes festivais celtas.
A mistura de água com
mel fermentado torna o hidromel no líquido da perfeição. Fonte de vida, meio de
purificação, forte fertilizante e símbolo de fecundidade, a água reúne as
propriedades essenciais à perpetuação de todos os organismos vivos. Estas
qualidades exaltam-se na efervescência do mel, símbolo da verdade, frescura e
da doçura. Ambos se combinam na preparação do mistério alquímico do elixir da
Eterna Juventude. A fermentação é um processo natural de transformação e
amadurecimento, que permite a passagem do estado de decomposição para o estado
de vida. A ideia de renovação a partir da morte, neste caso pela deterioração
do pólen num mecanismo natural de transmutação graças à acção dissolvente da
água, confere a certeza da imortalidade a quem ingerir o hidromel. As portas do
conhecimento revelam-se aos nossos olhos intuitivos quando os sentimentos estão
efervescentes, o mesmo será dizer exaltados. Por essa razão, é a bebida dos
poetas celtas e nórdicos e dos Druidas, porque garante a passagem da mente para
um estado elevado de consciência, do mesmo modo que o pólen se transmuta no
mel.
A sua doçura alude ao
paraíso espiritual, à morada celestial que o indivíduo almeja alcançar na sua
condição terrena. O hidromel era o alimento predilecto de Eithne, “Pequeno Fogo”;
pela sua analogia à força ígnea, abre-nos os portais ao Outro Mundo. Bebida
melosa que seduz, inebria e abre o espírito à Voz dos Deuses. O mel purifica e
conserva e faz parte da cultura religiosa dos povos Celtas; é um alimento que
contém o conhecimento místico e proporciona a revelação ao Iniciado. A fermentação
do mel na água indica-nos a possibilidade de ultrapassar os limites para
atingir, pela intuição ou pelo sonho, o conhecimento profundo da natureza e ao
diálogo secreto com as divindades e com os espíritos tutelares. Na noite de
Samain, o sacerdote Druida ergue a taça de hidromel, em busca da Sabedoria que
reside na memória dos Antepassados. A inocência da água e do mel transfigura-se
em fogo pelo seu alto teor alcoólico. O álcool realiza a síntese, aparentemente
impossível, da água e do fogo, numa fusão mágica dos elementos antagónicos, mas
necessários ao processo da perfeição espiritual. É na união do feminino e do
masculino que o caminho espiritual culmina no estado de androginia, a unidade
cósmica. A totalidade. O álcool simboliza a energia vital, é o rastilho da
iluminação e símbolo da inspiração criadora - por ser solidário à força do
fogo. É ambivalente: embriaga mas ilumina. Neste sentido, o hidromel tem a
natureza qualitativamente masculina do fogo, por transmutar a condição
espiritual do indivíduo, como o ferreiro que molda o ferro no excesso do fogo.
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