Mensagens

A mostrar mensagens de 2014

Os tesouros que saem das cavernas

Imagem
Certo dia, Loki, o trapaceiro e semideus, estava especialmente predisposto a provocar alvoroço entre os deuses de Asgard. Crescia nele um malicioso desejo em quebrar a tranquilidade e o statu quo  celeste, uma espécie de comichão ante o que permanecia cómodo demais para o seu intrínseco estado de espírito vulcânico. E tomou uma decisão: cortar o belo e longo cabelo dourado de Sif , esposa adorada de Thor. Quando se apercebeu do tamanho atrevimento, Thor foi tomado de fúria explosiva, saltando-lhe dos olhos faíscas de raiva, ao ponto de ameaçar  quebrar todos os ossos do esqueleto de Loki . Ameaça que   Loki sabia que se concretizaria e com muita violência, mas era esse o frenesim que lhe fazia saltar o espírito de alegria. Loki pediu, então, ao deus do trovão para se deslocar a Svartalfheim , a residência cavernosa dos anões , e ver se aqueles exímios artífices e ferreiros sagrados poderiam criar um novo cabelo.   Na penumbra infernal, iluminada apenas pelos fornos inca

Criar o fogo na paralisia de Naudhiz

Imagem
Naudhiz Ilustração de Nigel Jackson O dia 13 de novembro assinala o período rúnico sob a égide da runa Naudhiz, que aconselha à preparação do inverno. O significado divinatório de Naudhiz deixa-nos desconfortáveis, por implicar resistência à nossa tendência de andar mais depressa. Esta runa ensina-nos a maior e a mais difícil lição de vida: a persistência que nos dá a capacidade de saber esperar, enquanto limamos arestas e preparamos um novo caminho. Ora, aqui está um verbo irritante, sobretudo para os mais ansiosos: esperar, aguardar, aquietar e afins. Mas também já devem ter concluído que a pressa é a nossa pior inimiga. Assumo, publicamente, que desacelerar, ou tentar manipular o tempo a meu favor, é uma manobra desastrosa, não que me tenha causado acidentes, mas porque me atirava para um processo ansiogénico. Não é fácil, quando estamos naquela fase de vida alimentada por cargas enérgicas elevadas, típicas da juventude e por um temperamento acelerado, sermos obrigados a aceit

A luta com o lobo Fenrir

Imagem
Os deuses estavam com terríveis pressentimento s sobre o destino dos três grandes agentes do caos: Jormungand, Hel e Fenrir, a prole do dúbio e destrutivo Loki, que no espoletar da destruição do Universo dará um repentino e diabólico riso triunfante. Engendraram esquemas protetivos que manteriam os demónios controlados, pelo menos durante um tempo. Mas a astúcia de Fenrir, o lobo gigante, deu luta e obrigou os deuses a esforço redobrado para refrear a voracidade do animal. A resistência do lobo fez recear o reino celeste e implicou uma atitude ponderada e inteligente. A solução inicial foi mantê-lo em Asgard, mas só Tyr, o guardião da lei e da ordem, se atrevia a alimentá-lo. Fenrir («habitante do pântano») foi  crescendo e engordando de tal forma que Asgard tornou-se o local desaconselhável para continuar a viver. Conhecendo bem o potencial destrutivo se   lhe fosse permitido andar livremente pelos palácios celestes , os deuses tentaram então prendê-lo, convencendo o lobo de

Iduna no resgate da nossa juventude

Imagem
Ódin, Loki e Hoenir iam em viagem por Midgard (Terra) quando decidiram parar nas montanhas desoladas e distantes de Asgard para comerem qualquer coisa. Mas a comida era escassa nesta região inóspita, e assim que avistaram uma manada de bois, capturam um dos animais. Acenderam uma fogueira, e apesar do intenso fogo, a carne tardava cozinhar. Perplexos com a situação, os três Aesir ouviram uma voz que vinha do alto e ao olhar para cima viram uma grande águia empoleirada num ramo. "Sou eu", disse, "que, por artes mágicas, impeço a sua cozedura. Mas se me derem uma parte da vossa comida, então desfaço o feitiço". Os deuses, embora irritados, concordaram e a águia desceu para se apossar da carne mais saborosa do boi. Loki entendeu que tal atitude estava para além dos termos do acordo e, com raiva, atirou com forte ramo em direção à águia, que o arrebatou com as garras, sem dar tempo a que o deus do fogo se libertasse e com ele voou alto no céu. Apavorado, Loki implorou

Volund: um espírito indómito

Imagem
Esta é a história de Volund, o ferreiro, e dos seus dois irmãos que se apaixonaram por três Valquírias que se banhavam no lago, e às quais roubaram as roupagens de cisne. Assim, as três donzelas do Valhalla ficaram cativas no coração dos três jovens e com eles viveram durante nove anos. Ao fim deste tempo, estas mulheres-fogo não suportavam mais viver no mundo humano, então partiram. Só Volund permaneceu tranquilamente na sua oficina metalúrgica em Wolfdales, aguardando pelo regresso da sua amada, à qual fez com muito amor um anel, a celebrar a união, mesmo na sua ausência. A paciência permitiu a Volund aperfeiçoar a técnica de ferreiro, pois ele tinha a noção de que pouco adiantava andar à toa, como os seus irmãos, numa busca sem destino por mulheres que não pertenciam a este mundo: ele sabia que a sua amada voltaria para casa quando quisesse, sendo ela livre para decidir o melhor momento, sem pressão do marido. A inteligência de Volund, o herói fundador da Inglaterra antiga (sob o

Beber da fonte de Mimir

Imagem
O   festival religioso, Fontinalia, que tinha lugar a 13 de outubro, reativou-me a lembrança da fonte das águas do saber de Mimir, gigante arquivador das memórias da origem dos Tempos. A fonte, sob a custódia da cabeça mumificada pelas artes mágicas do seu sobrinho Ódin, fornecia o líquido mágico que nos abre as dimensões ao conhecimento superior, ao banho regenerador nas entranhas profundas do nosso intelecto. A Fontinalia romana celebra a importância de Fontus, o deus dos poços e nascentes, como símbolo da água viva que brota do ventre da Mãe-Terra que nos alimenta e regenera, preparando-se para o banho purgativo. Numa época em que a humanidade se encontra num atoleiro de vaidade, arrogância, violência e consumismo, urge o despertar das serpentes que vivem encobertas nas fontes, outrora pontos de passagem para o Outro Mundo, para o convívio do glorioso Paraíso terrestre do indivíduo livre.   Mimir preserva a memória da sabedoria e dos ancestrais - os grandes mestres da transf

O que nos ensina o inverno?

Imagem
A aproximação do inverno, "winterfelleth" em Anglo-Saxão, implica uma despedida aos tempos dourados da estação quente e luminosa, à vivência expansiva e centrífuga, que nos lembra a idade primaveril da adolescência e a primeira metade da idade adulta. Nesses períodos o corpo e a mente entregam-se à espontanei dade, à sofreguidão das horas ilimitadas, porque nessa altura os dias, as semanas, os meses parecem-nos infinitos, como se vivêssemos no cosmo, onde não existe temporalidade. Esse tentador passaporte para a ilimitabilidade, porém, esgota-se mais rapidamente do que se pensa. O viver constantemente fora de nós tem custos altíssimos na construção da identidade emocional e mental, porque nos ilude com a ideia de que podemos persistir assim até ao resto do fio da nossa vida.   A natureza é uma magnânima conselheira ao mostrar-nos no compasso dos seus ciclos de morte e renascimento o porquê da necessidade de equilíbrio entre a primavera e o outono no processo de amadureci

Conversa entre o Passado e o Futuro

Imagem
"Elas [Nornas] elevam-se no éter cerzindo ténues e transparentes fios entrelaçados em intrincados nós, que se fundem no vazio infinito do universo. Ninguém os vê, mas sentem-nos no esforço limite da alma, do corpo e do espírito. Tão imperecíveis como as montanhas, as três Irmãs simbolizam a inevitabilidade do passado, presente e futuro fabricando no seu tear um eterno tapete (...)" execerto do intróito sobre as Senhoras do Destino, in  Máscaras da Grande Deusa. Deste ponto retomo as minhas incursões pela Mitologia Nórdica como suporte intrepertativo de acontencimentos mundanos. Trata-se de um excelente ponto de recomeço de partilha de eventos recentes na minha vida que têm posto em diálogo o meu passado com o meu futuro, estando eu no centro, como Verdandi, a aguardar pelo crescimento da semente que um dia se tornará em bela planta. Isto a propósito do interessante desafio que Urd, a Senhora do Passado, a Mãe Anciã, atirou ao meu caminho na última semana (não s

Mergulhar em Aegir

Imagem
Gigante impossível de abraçar mas de força magnética, o mar alimentou os sonhos de muitos povos e tornou-se rota de descobertas para os Viquingues. Pelos seus braços vogaram velhos barcos carregados de história e de lendas, e pelo sopro dos ventos deram à costa povos heróicos, cujas castas inspiraram Sigebert de Gembloux a criar a lenda de que os Francos eram descendentes de troianos. No mito criado no século XII, Sigebert conta como 12 mil troianos, sob o comando do herói Antenor, fugiram à tomada da mítica Troia de Heitor  e navegaram no dorso daquele que a mitologia escandinava chamaria Aegir, até se fixarem nos pântanos fronteiriços à Panonia. E assim fundaram Sicambri. A natureza guerreira deste povo sem medo, segundo Sigebert, está na raiz etimológica de Franco, "feroz"; e diz que os Hunos provêm de um ramo genealógico de uma tribo de bruxas, chamada de Alirune. Aegir, deus do oceano, um gigante amigo dos deuses de Asgard, e que promovia alegres festas no seu salão

Yggdrasil: Um Mapa Cosmológico

Imagem
Tomei como estímulo a celebração, no sétimo dia de julho, de Caprotina, um dos epítetos da romana Juno e a sua faceta como deusa da fertilidade, para lançar o tema da árvore na cosmologia nórdica. E porquê utilizar um exemplo do Velho Império? Porque o sagrado não obedece a etnias ou sistemas culturais específicos. O sagrado é a linguagem mais universal que a natureza nos oferece para que o indivíduo a entenda, apreenda-a e, sobretudo, que a respeite como entidade divina. Juno Caprotina está associada aos caprinos ( Capra no latim, " cabra" e caper, " bode") e c om a figueira e os seus frutos. Tanto o animal como a referida árvore - diga-se, refúgio da Iluminação de Siddhartha Gautama ou Buda, como preferirem- ambos simbolizam a fecundidade. Passemos então à Árvore Escandinava: Yggdrasil é o símbolo máximo da Árvore Cósmica da mitologia escandinava. Um   imponente freixo que se eleva no centro do mundo, cujo tronco é o pivô da revolução da morad