Loki e o mistério da criação
A propósito do filme Thor e o Mundo das Trevas (aviso que não vi) surgiu-me a vontade de refletir sobre Loki, a divindade mais obscura e incompreendida no contexto mitológico escandinavo. As características de Loki, vista de relance, pouco ou nada têm de divinas, porém, são as mais singulares e específicas do panteão de Asgard. A sua personalidade ambígua fá-lo balancear entre dois poderosos valores morais que reconhecemos como o bem e o mal, embora esta designação não seja totalmente adequada. Loki tem, de facto, algo de destrutivo, porque é essencial para espoletar processos criativos. Trata-se de uma entidade que vem desde a origem dos Mundos, de natureza ígnea, subjacente à dinâmica da cosmogonia nórdica. Ele é parte integrante de Muspelheim, o Mundo do Fogo, de cujas chispas se formaram os corpos celestes e também os gigantes protagonistas do Ragnarok, a Morte dos Deuses, e carrascos da ordem espiritual de Odin.
É Loki quem desencadeia as trevas caóticas tão necessárias à regeneração da cosmologia, e o último a sucumbir no derradeiro conflito no duelo com Heimdall, o brilhante, também ele uma divindade arcaica e associada ao fogo. Loki e Heimdall parecem ser facetas da mesma entidade, embora uma de caráter corrosivo e a outra de caráter produtivo (Heimdall é uma divindade civilizadora e guardiã). A polaridade volta a estar em evidência. O equilíbrio é isto mesmo: o confronto entre o positivo e o negativo. Loki é o senhor do Caos, mas é indispensável, e exige disciplina para que canalize a força de destruição num sentido que favoreça a criação. No fundo, é um Lúcifer, o portador da Luz do Conhecimento, que não sendo bem trabalhada poderá descambar.

Estes são apenas alguns exemplos da intervenção de Loki numa série de tramas e contradições. O companheiro de viagem de Thor é uma faceta do próprio deus Trovão. Os relâmpagos das trovoadas de Thor podem causar incêndios e isso acontece quando Loki ganha ascendência sobre Thor, retratado como sendo uma divindade solar, por produzir brilho com os seus raios. Balder, o gracioso Sol, morre na sequência de um esquema montado por Loki. Um ato que simboliza os ciclos solares: a ascensão e declínio do Sol nas duas fases do ano.
Sem Loki, o mundo tornar-se-ia amorfo. Das cinzas geradas por ele renasce um novo mundo. E assim sucessivamente.
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