Estreitar os laços na embriaguez do inverno

As chuvas do que conhecemos atualmente de outono interrompiam o ímpeto bélico dos antigos  povos germânicos. Com o período sombrio e o frio, os ânimos tolhiam-se, sobreaquecendo o temperamento de homens de lança e machados na mão. Onde deveria existir uma arma, passava a estar uma enorme taça ou corno de cerveja, e a energia marcial ia acumulando-se, até estourar em confrontos ébrios. A embriaguez compensava o jejum de lutas, saques e a euforia dos combates sangrentos. Os banquetes alegres e transbordantes de álcool dos germanos ultrapassavam as fronteiras da Germânia e chegavam aos ouvidos dos Romanos. 

O inverno suspendia a letargia pelo convívio das comunidades germânicas, por natureza muito filiadas nos seus costumes e avessa a misturas, vivendo em regime endogâmico. O fortalecimento dos laços familiares era ponto de honra na cultura deste povo truculento, mas bondoso entre os seus semelhantes. A runa Peorth simboliza este ambiente convivial, e ao mesmo tempo, o perscrutar da wyrd - a teia do destino. Lançar as sortes na noite do universo em simbiose com a curiosidade em saber notícias do futuro. Não se tratava de uma curiosidade vã, com intenções meramente domésticas ou rotineiras, mas o desejo de auscultar em que pé se encontrava a relação da comunidade com os deuses. A resposta ajudaria a inflamar a predisposição guerreira e a preparar o ânimo para nova expedição a partir de abril. 





Os Romanos conheciam este gosto pelas festas, em especial uma que acontecia na primeira metade de novembro. Período que passou, depois, a coincidir com a festividade de São Martinho - o santo bêbado -, que segundo consta terá morrido a 11 de novembro, no século V. O festim prolongava-se pela noite fora e só terminava de manhã. Beda escreve sobre isto no De Temporum Ratione, registo no qual comenta a designação do mês de novembro na língua germânica como sendo Blot-monath ou seja, mês de ofertas/sacrifícios. Era tempo dos pagãos germânicos oferecem aos deuses o seu melhor gado para receberem em troca boas colheitas. 

O importante é que neste ambiente criava-se um círculo de união entre pessoas e as entidades divinas, sobretudo, estreitava-se o anel das relações. À mesa não se comia apenas: convivia-se e alimentava-se os sentimentos. O corno de cerveja circulava pelos comensais e só parava vazia. Ai daquele que se atreve-se a reter a taça, porque corria o risco de se tornar alvo da ira por desrespeito não apenas aos  presentes mas aos deuses. O sentido de respeito e de honra, ética e memória dos ancestrais mantinha a alma-grupo viva eternamente.

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