O canto de Rán


Tenho a sensação de que navego sobre o peito de Aegir, desafiando o ciúme da sua esposa, Rán. A deusa das águas profundas e turbulentas desliza pelo leite salgado do seu esposo, de rede na mão, à espreita da presa, que voga de olhos postos no horizonte para chegar a salvo a cada porto. Rán simboliza as ondas vorazes, de enormes mandíbulas para devorar os sonhos de quem segura o leme da sua vida. O mundo está, de certa forma, entregue a uma loucura pelo desejo de simplesmente de roubar, extorquir ou esvaziar o ânimo. 

Rán é como a sereia, cujo canto enfeitiça e conduz à alienação. Ela é um teste à nossa sanidade e personifica os adversários que nos tentam vergar. Tal como os marinheiros devem levar algumas moedas de ouro para a aplacar a avidez de Rán e, assim, poupar-lhes a vida, os desafios da realidade mundana também são vencidos pela corrupção. Sem oferta, não há recompensa. Sem troca, cortam-nos as pernas e encurralam-nos nas redes.

A superfície das águas de Aegir escondem  perigos e armadilhas. Rán é traiçoeira e sem nos apercebemos condiciona a âncora do navio para na primeira oportunidade puxar-nos para as profundezas oceânicas da morte.

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