Fafnir: o simbolismo da gula mercantilista

Numa sociedade de meros bens simbólicos, a época após o Natal põe a descoberto a ânsia de consumo de pequenos dragões capazes de aniquilar os já ínfimos prazeres do espírito. Os olhos arregalam-se ante o objeto de cobiça e as mandíbulas abrem-se de satisfação pela quantidade de sacos de compras que ocupam mãos e braços. O poderoso braço do anão Fafnir, de alma temerária, ergue os troféus de glória efémera até que o apetite pela compra volte a angustiar o desejo pela posse. Fafnir é a matriz do sonolento Smaug, no filme da trilogia da mitologia moderna de Tolkien. O filho do rei anão Hreidmar, irmão de Regin, a quem se reconhece grandes poderes mágicos, e de Ótr, este dotado da capacidade de se metamorfosear em lontra, compõem o drama da Saga dos Volsungos em torno de um anel e um tesouro amaldiçoados.

Fafnir era o guardião do tesouro do reino do progenitor, oferecido por Loki em compensação pelo assassinato por engano de Ótr. Um património de valor inestimável, protegido pelo mais agressivo da prole, porém, o mais suscetível de se deixar corromper. O brilho do ouro seduziu a codicia de Fafnir, ao ponto de lhe retirar o discernimento, levando-o a tirar a vida do próprio pai. A ganância intoxicou-lhe a mente, transformando-o num ser obsessivo. Fafnir recolhe-se no deserto para precaver a sua fortuna, e o corpo foi-se deteriorando até se tornar num dragão, como num processo de involução negativo. O dragão representa aqui o estado instintivo e primitivo da consciência, simbolizando a sobrevalorização dos aspectos materiais de uma sociedade mercantilista.


A necessidade de ter, de possuir, de comprar, de consumir conduz à sonolência de Smaug, que se limita a estar soterrado num tesouro que nada lhe serve, mas que condena a população da Cidade do Lago a uma existência de privações - vemos aqui um exemplo preciso da opressão a que estamos sujeitos pelos grandes grupos enconómicos. O dragão que vemos no segundo filme sobre o Hobbit é a representação do espírito materialista do amontoar de bens materiais pelo simples amontoar sem qualquer benefício ou desenvolvimento progressivo da consciência. A ilusão do 'ter' acaba por corromper a beleza da alma, definhando o corpo.

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