Volund: um espírito indómito

Esta é a história de Volund, o ferreiro, e dos seus dois irmãos que se apaixonaram por três Valquírias que se banhavam no lago, e às quais roubaram as roupagens de cisne. Assim, as três donzelas do Valhalla ficaram cativas no coração dos três jovens e com eles viveram durante nove anos. Ao fim deste tempo, estas mulheres-fogo não suportavam mais viver no mundo humano, então partiram. Só Volund permaneceu tranquilamente na sua oficina metalúrgica em Wolfdales, aguardando pelo regresso da sua amada, à qual fez com muito amor um anel, a celebrar a união, mesmo na sua ausência. A paciência permitiu a Volund aperfeiçoar a técnica de ferreiro, pois ele tinha a noção de que pouco adiantava andar à toa, como os seus irmãos, numa busca sem destino por mulheres que não pertenciam a este mundo: ele sabia que a sua amada voltaria para casa quando quisesse, sendo ela livre para decidir o melhor momento, sem pressão do marido. A inteligência de Volund, o herói fundador da Inglaterra antiga (sob o nome de Wayland), fê-lo perceber que as relações solidificam-se em alicerces de confiança e no respeito pela liberdade. 
 
Enquanto se mantinha concentrado na sua vida, Volund foi produzindo peças de enorme beleza que suscitavam a cupidez de Nidud. O Senhor dos Niars congeminou então um assalto à oficina de Volund, quando este se ausentara para caçar, e roubou-lhe o anel da esposa. Ao voltar para casa, Volund apercebeu-se que faltava o tal anel e foi invadido pela falsa alegria de ter de volta Allwhite, que ele pensara ter tomado a sua joia. Não satisfeito com o ato perpetrado e pela mesquinha cobiça, Nidud acusou Volund de roubar ouro do seu reino para justificar a indevida apropriação do anel, que depois ofereceu à  filha Bodvild.

Devido ao seu alegado crime, Volund foi desterrado para a ilha de Sævarstod, onde preparou um frio plano de vingança. Na primeira oportunidade decepou os dois filhos de Nidud que, na têmpera do fogo e pela força do seu martelo, transformou os crânios em taças de prata, dos seus olhos lapidou pedras preciosas que enviou como presente à rainha. Dos dentes dos jovens fez dois broches destinados a Bodvild. Esta partiu o anel roubado para ter um pretexto para visitar e conquistar o exímio ferreiro, que ainda tomado de insustentável raiva, deu-lhe a beber cerveja para que ficasse sonolenta e sem capacidade de resistência quando a violava. Volund não conseguia esquecer a imagem do anel de Allwhite indevidamente no dedo da filha do indigno usurpador, que lhe tirara também a sua espada. Sentindo-se vingado por todo o mal que lhe causaram, Volund ergueu-se no ar com as asas que forjara durante o forçado exílio. Porque não satisfeito por prender Volund e forçando-o a criar joias e armas, Nidud, indrominado pela esposa, mutilou-lhe os tendões dos tornozelos para que não pudesse fugir.
 
A história de Volund prova que a tortura, a usurpação da integridade e da liberdade muitas vezes conduzem à superação de quem está sob jugo. O poder autoritário, egoísta e muitas vezes invejoso do brilho que os outros emanam por se manterem fiéis a si-mesmo, pode funcionar como instrumento de aperfeiçoamento de um espírito selvagem, que se recusa a entregar-se ao statu quo. Porque há sempre alguém capaz de retirar das suas entranhas matéria para produzir as asas e que não seja um Ícaro.
 
No cárcere, Volund, a cada golpe de martelo, acurou o mister de ferreiro e elevou-se livre nos céus. É verdade que a vingança de Volund é violenta - e não foi violenta a injustiça a que o submeteram?
 

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