O que nos ensina o inverno?

A aproximação do inverno, "winterfelleth" em Anglo-Saxão, implica uma despedida aos tempos dourados da estação quente e luminosa, à vivência expansiva e centrífuga, que nos lembra a idade primaveril da adolescência e a primeira metade da idade adulta. Nesses períodos o corpo e a mente entregam-se à espontaneidade, à sofreguidão das horas ilimitadas, porque nessa altura os dias, as semanas, os meses parecem-nos infinitos, como se vivêssemos no cosmo, onde não existe temporalidade. Esse tentador passaporte para a ilimitabilidade, porém, esgota-se mais rapidamente do que se pensa. O viver constantemente fora de nós tem custos altíssimos na construção da identidade emocional e mental, porque nos ilude com a ideia de que podemos persistir assim até ao resto do fio da nossa vida.
 
A natureza é uma magnânima conselheira ao mostrar-nos no compasso dos seus ciclos de morte e renascimento o porquê da necessidade de equilíbrio entre a primavera e o outono no processo de amadurecimento psicofísico humano. É este o mistério dos rituais iniciáticos nos quais o indivíduo se propõe à experiência da morte, ao recolhimento, ainda no pico da sua frescura física e emocional. O grande mistério é precisamente a capacidade de integrar este complexo num só momento e a partir daqui renascer imortal.
 
A magia de fundir a impetuosidade da juventude com a ponderação da maturidade é um exercício hercúleo a que poucos interessa (infelizmente). Quando chegamos ao outono da vida, tudo à nossa volta é observado com serenidade e o conhecimento extraído é lentamente assimilado, mas começa a faltar-nos tempo: os dias, as semanas, os meses esgotam-se num ápice, sem deixar muita margem temporal para aproveitar devidamente as experiências. Falta-nos o vigor físico, em contrapartida a nossa visão interior fica mais aguçada e deteta os pormenores que se nos escaparam nos tempos dourados.
 
A imortalidade do espírito e a perceção da Gnose, como testemunhamos nos autossacrifícios de Ódin, implica o despojamento e o controlo dos sentidos físicos - a ação é centrípeta, voltada para dentro, enquanto o exterior definha, tal como acontece no inverno. Ódin controla a sua ambição espiritual e o ímpeto característico de Carneiro (primeiro signo do zodíaco e da primavera) e cultiva a sua energia imóvel, dependurado na Árvore Yggdrasil ou na forma de serpente enroscada e quieta junto a Gunnlod. O deus da sabedoria nórdica aquieta-se em ação interiorizada e recolhida, e "morre". Da mesma forma que fenece o viço da vegetação no inverno, Ódin reconstrói-se na morte iniciática e renasce sábio e imortal.
 
É claro que nem todos têm por que passar por sacrifícios simbólicos para conseguir passar à etapa seguinte. A atitude mais importante neste extraordinário e intrincado caminho evolutivo do Ser é estar consciente e recetivo para retirar a melhor parte dos estádios da vida e não entristecer com a chegada do outono. Porque a nudez da natureza ajuda-nos a olhar mais para dentro, a viver mais para dentro de nós, sem as distrações do verão. Porque, às vezes, a luz intensa cega e não nos deixa enxergar a nossa verdadeira essência.
 
O inverno serve para purgarmos a maior parte das questões que vão ficando enterradas na nossa mente e não nos permitem despontar e crescer, como as plantas à chegada da primavera.  

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