O "contrato" com os deuses
A
religião nórdica não se fundamentava no sentido de fé, de acordo com o dogma
Cristão, centrando-se basicamente no
objeto de culto de divindades próximas ao Homem e não num espaço transcendente e inalcançável. Os estudos linguísticos de Helge Ljungberg demonstram que o
verbo no Islandês Antigo, trúa, que serve de suporte ao afixo tro na
definição da especificidade de uma corrente religiosa (Asatrú, por
exemplo), explicita o significado “fundar-se em, confiar-se a” uma determinada força espiritual. Ou seja,
não existe uma atitude passiva e meramente contemplativa na relação com os deuses, há
pois uma aliança de confiança mútua e inter-relacional, por isso o qualificativo, como acrescenta
Helge Ljungberg, gođlauss (“sem Deus”) não se aplicava a quem não
acreditava nos deuses, mas a quem se recusava a sacrificar algo em honra deles.
A
natureza nuclear dos ritos celebratórios antigos indica a estrita consciência
do reconhecimento de uma família espiritual durante os rituais modernos,
promovendo o sentimento de unidade às forças atávicas e às potências afins dos
supra-mundos. Os portais do suprassensível só se abrem a quem comunga de um
código e identificação ancestral, daí a necessidade de uma atualização do
impulso espiritual vinculado a uma memória cósmica, que para os povos nórdicos
residia eternamente no apelido familiar, considerado reservatório infinito do
poder da hamingja. Tanto que a hamingja condicionava a magnitude
social e religiosa do líder do clã, que, por esta incumbência, adotava
legitimamente as vestes sacerdotais durante os blóts, quando oficiados
nas propriedades particulares.
Há nesta relação indivíduo-deuses uma proximidade, uma intimidade, um compromisso selado pelas trocas de oferendas. O sentido de oferecer implicava o reconhecimento da importância da outra parte como coadjuvante essencial da subsistência e do curso natural da comunidade. Não era exclusivo aos deuses o gesto de dar, ao garantir, por exemplo, boas culturas ou êxito na guerra. Às dádivas divinas correspondia o compromisso dos indivíduos em retribuir para que assim ficasse "contratualizado" uma relação benéfica entre o mundo humano e o mundo sobrenatural. Estabelece-se um alicerce de responsabilização da comunidade para com a própria comunidade, por via da preservação do "acordo" atualizado em cada blót (ritual/sacrifício). A generosidade das oferendas aos deuses no blót é diretamente proporcional à generosidade dos deuses, como retribuição.
Esta ligação ajudava a alimentar o sistema de valores e servia de apelo ao respeito. A sociedade moderna deveria recuperar este exemplo, de modo a que as peças se voltem a encaixar na engrenagem, repondo uma certa ordem. O compromisso é algo que se varreu por completo do comportamento humano da atualidade. Talvez por isso os deuses, através das suas diversas personificações na Natureza, estejam de costas voltadas para nós. Temos de recuperar a união com Eles!!!!
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