Freya e Holda entre as resistentes da repressão




Já perto da despedida de março, mês da primavera e da exaltação dos poderes da deusa, apresento um manuscrito inglês de Harley Psalter que ilustra com precisão o conflito entre o novo regime religioso liderado pela figura patriacal, que vemos no topo da montanha, com o culto da Mãe, em baixo. Nesta representação observamos a resistência da deusa às cenas de repressão em torno de si, pela imposição do Cristianismo. É muito interessante ver aquela figura feminina seminua, a dançar em cima de uma pedra enquanto cultuada por um punhado de homens nus, ainda fiéis a Ela, mas receosos perantes os castigos de que seriam alvo. A deusa mantém uma posição central, embora mais terrena e rodeada pelo drama repressivo. Ao seu lado notamos a presença da Árvore da Vida, uma cornucópia e um manto pendurados nos ramos, como atributos do seu poder fecudante. 
A nudez era o primeiro pecado apontado às divindades femininas pelos missionários cristãos, por aludir à liberdade sexual e à manisfestação do erotismo puro, não condenatório. Na mitologia escandinava, Freya simbolizava a sensualidade como estímulo reprodutivo aos seres humanos e à vegetação.  A sua natureza erótica era enfatizada nas mansöngr ou canções amorosas, de forte cariz sexual. Estes versos muitas vezes reproduzidos nos assuntos românticos, com a chegada dos missionários cristãos, foram proibidos e quem ousasse a pronunciá-los incorria na pena de morte. O pudor inibia a compreensão e aceitação deste tipo de exaltação do impulso sexual, sobretudo pelo seu poder mágico que constituía uma ameaça. Na Islândia, Jon Ögmundarson baniu as dansar, cânticos dançados, devido ao seu forte pendor erótico.
Freya e outras deusas, como Holda, foram proscritas de modo a se cortar a consciência religiosa da terra, como entidade divina e protetora. 

 
Expulsaram a Mãe-Terra!!! A ilustração acima pertence também ao manuscrito de  Harley Psalter e nele vê-se a agonia da Mãe, que resiste à morte e continua a enviar da sua cornucópia a água lustral que revifica a Árvore da Vida. É observada por homens que apontam para o alto, como que a comunicar-lhe que o seu belo reinado acabara e os seus seios despidos e úberes seriam esquecidos, e Ela seria banida para o cárcere das bruxas. 
Freya e Holda foram reduzidas à condição de feiticeiras malévolas, que viajavam embriagadas pelos céus, montadas em alimárias e a espalhar a tristeza. 


Na catedral de Schleswig foi pintada a montada de Freya (acima) no seu gato selvagem, dando a ideia de que está nua, apenas envolta com o seu manto xamânico, como que avisar dos perigos que ela carrega. É pena que tenham castrado o sentido da nudez - o estado da revelação dos mistérios da Deusa e da própria mulher em perfeita harmonia com a natureza. É no estado selvagem que o poder feminino reluz!!!!
 

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