Da árvore nasci e para ela a minha alma regressará


Da semente nasci e fiz-me mulher, de belo tronco e verdejante folhagem. Tornei-me uma árvore, cuja sombra embala o sono do sonhador e o faz viajar pelo Cosmo. Do meu tronco desponta saboroso musgo que alimenta o veado e com ele danço em torno das fogueiras de Beltaine. As aves acariciam-me os cabelos e elevam-me ao ar. Viajo como o xamã por entre os mundos e comunico com os espíritos. A minha vida é rica e plena. Sou, pois, uma bela árvore!

Numa das mais belas traduções da estrofe 19 da Völuspa, compreendemos a grandeza espiritual da árvore sagrada dos nórdicos: Yggdrasil. Árvore Cósmica que podemos ver representada em cada Freixo que encontramos no bosque, símbolo de imortalidade e de ancestralidade, dotado de uma pujança magnânime que arrebata os espíritos ávidos pelo êxtase. É a força e a coragem que, por exemplo, nos inspira o Freixo do Rei visigodo Wamba, que reinou na Egitânia (atual Idanha-a-Velha) e reorganizou o território e enfrentou as invasões dos mouros! Escolhido por Deus, Wamba imortalizou o seu ceticismo ante a missão que lhe era confiada pelos cavaleiros nomeados pelo Papa Adeodato II, espetando no chão a vara de freixo com que espicaçava os bois que lavravam os seus campos. Dela nasceu um enorme e vigoroso tronco, rebentaram ramos pujantes de verde folhagem e fixou raízes no terreno lavrado com as próprias mãos de Wamba. Este freixo, situado bem no centro de um pedaço de terra junto ao rio Ponsul, acorda em nós a memória da identidade longínqua de um povo que acreditava profundamente nos seus Antepassados. Após o declínio do Reino Egitano, o freixo de Wamba foi durante séculos o único sinal de vida num cenário de ruínas e memórias sublimes. Hoje,sobrevive ainda orgulhoso de ser a identidade viva do mais bravo e corajoso dos Reis Godos.


(...)
Sei que existe um freixo que se chama Yggdrasil.
O cimo dele banha-se no branco vapor de água,
De lá provêm as gotas de orvalho que caem no vale,
Ergue-se eternamente verde sobre a fonte de Urd.
(...)
In Edda Poética

Iggr significa “o Profundo Pensador”, em alguns casos, “o Terrível”, e era um dos muitos nomes de Odin; o prefixo drasil queria dizer “o Portador” ou “o Cavalo”. Neste sentido, Yggdrasil representa o Portador do Deus, a montada selvagem do Ase, nas noites de resgate dos espíritos. Tudo o que possui vida e é consciente tem morada nesta Árvore Mítica, que sobrevive às grandes mudanças cósmicas em que o Universo é aniquilado, no Ragnarök, servindo de refúgio e berço às novas formas de vida que repovoarão Midgard. Trata-se de um freixo gigante, que na Escócia ainda hoje é designado por Montanha de Freixo - conhecido também por sorveira-brava. O local onde estava plantado era um lugar dotado de poderes especiais de proteção contra as forças malignas. Na tradição nórdica, o eixo cósmico abrange os três mundos de energia que sustentam toda a criação: Asgard (Espírito), Midgard (Corpo) e Hel (Alma).

As Nornir, ou Nornas, regam constantemente as suas raízes com a água da fonte de Urdar. Os elfos borboleteiam felizes em torno da sua folhagem. Heimdal coloca por debaixo dela a sua arca tricolor cheia de tesouros (o arco-íris) e vigia a ponte Bifrost que liga a terra aos reinos celestes. A glória de Balder brilha também sobre ela! E junto às suas raízes está Mimir, erguendo a sua cabeça para alcançar as distâncias. Porém, no mundo subterrâneo por debaixo dela, Hel vigia a sombra dos homens que deixaram a terra e viajam através dos nove mundos sobre o rio Gjallarbro para obter a recompensa final. Esta é Yggdrasil, a afortunada Árvore que estabelece a aliança eterna entre todos os seres sem distinção!

Excerto de Moradas Secretas de Odin


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