Sigurd e as imperfeições humanas

A lenda de Sigurd não é apenas um paradigma de heroísmo. A trama desenvolve-se a partir de um feito heroico, com a morte do dragão Fafnir, cujo simbolismo encena uma das três etapas do processo iniciático de um herói retratado psicologicamente em diferentes histórias - uma das quais já passou numa série televisiva em Portugal, inspirada na versão de Richard Wagner - , para desembocar num drama emblemático da imperfeição humana. Sigurd é um símbolo de coragem e de superação, representando, por isso, um alvo de cobiça e inveja. Conquista o coração de Brynhild, uma bela e luminosa valquíria, a donzela-fogo - qualidade que revela o valor inquantificável do troféu ganho por Sigurd. O herói desperta a filha de Odin do sono, e ela em troca oferece-lhe a sabedoria das Runas; e ele sela a relação com um anel (símbolo solar) e promete que retornará.

A história de Sigurd, principalmente, a sua eleição por uma mulher do Outro Mundo, vira-lhe a vida do avesso. Desde então, Sigurd tornou-se obsessão de uma mulher humana, que o enfeitiça para o desfrutar e parasitar as suas virtudes de guerreiro temerário. Grimhild (Grim, "mascarada), encarna a mulher cobiçadora e ansiosa por se sentir especial e eliminar frustrações, daí que usurpe, manipule e vampirize psicologicamente. Sigurd esquece-se do seu caminho e de Brynhild. É impedido de executar o seu destino. Um caso dramático que testemunhamos no mundo real.

O irmão de Grimhild, por seu turno, disfarça-se de Sigurd, mercê de uma poção mágica para poder atravessar a muralha de fogo, que mantinha Brynhild imaculada e distante da realidade profana. Gunnar engana a donzela de fogo e trá-la para o mundo terreno. Ora, esta transferência degenerou a integridade da valquíria, tornando-a uma mulher vingativa. Brynhild ficou a conhecer o ódio na sua rápida passagem pelo mundo humano. Quis e preparou ardilosamente a morte de Sigurd, por se ter sentido enganada e esquecida, ignorando a inocência de Sigurd numa teia montada por pessoas ciosas e corruptíveis.

É neste ambiente venal que vivemos, encantados com relações autofágicas, de memória curta e desprovida de valores.



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