Redespertar da magia das plantas

Ainda nos restam duas semanas para desfrutar de junho, mês dedicado à deusa romana Juno - a congénere da grega Hera -, a Senhora soberana dos céus do período em que a luz é mais intensa, mas enfrenta o regresso do minguar dos dias. Por cá, por estas terras outrora pisadas pelos valorosos guerreiros Lusitanos e Galaicos, a atmosfera envolve-se de fragâncias afrodisíacas em honra dos santos populares que a demopsicologia sub-repticiamente adotou para manter vivas lembranças de festividades pagãs. A magia das ervas retorna agora do seu esconderijo subterrâneo para nos inebriar com sensações psico-sexuais libertadoras. Anda no ar o aroma da cidreira, do rosmaninho e toda a panóplia de plantas aromáticas com as quais purificamos o corpo, expurgando os males que nos condicionam. Sorrimos, sim, e abrimos a alma à sabedoria presa no inconsciente coletivo que os nosso antepassados preservaram por entre o rigor inquisitivo da Igreja.
São Martinho de Dume, nos seus Cânones sobre Medicina Luso-Germânica, elenca uma série de gestos ritualísticos de recolha de ervas medicinais interditas, de acordo com as novas leis religiosas, mas que antes serviram de panaceia para diversos problemas físicos, e também emocionais. As mezinhas das avós são recortes atávicos do que São Martinho insistentemente considerou de obra diabólica. Os salmos substituíram-se às palavras mágicas, mantendo-se, porém, o carácter terapêutico do uso de plantas, cuja essência medicinal já poucos dominam. A medicina teúrgica, sobrenatural, condicionada pela superstição, foi dominando nas regiões rurais, que pelo seu isolamento em relação aos principais centros urbanos, conseguiu contornar as autoridades eclesiásticas.  
O legado dos povos germânicos e celtas penetrou nas teias do tempo e dos constrangimentos cristãos em cultos singelos no poder miraculoso de fontes de água virtuosa, onde aparições de serpentes constituem hierofanias da Deusa-Mãe. O Diabo é agora quem se manifesta quando se acendem luzes nas nascentes e nas fontes sagradas. Os legisladores visiogodos esforçaram-se por banir os cultos celtiberos e germânicos. Wotan tornou-se um nome proscrito. O Deus curador e da magia integrou o elenco dos apaniguados do Diabo. 

A magia das plantas foi-se aguentando e proliferando como o pólen com a ajuda das empreendedoras abelhas. O São João, o santo a quem a Igreja atribui o governo do solstício de verão, chega-nos na imagem do jovem com a pele do cordeiro, animal solidário ao Sol, simbolizando o pico da juventude. No dia  mais longo do ano, o perfume das ervas são-joaninas são cápsulas ardentes, qual fogo purificador, e veículos êxtaticos. Não resistimos ao seu poder. Nem temos por que resistir. O corpo e o cérebro necessita deste orvalho melífico de rejuvenescimento. Em junho, tudo é meio dia, a hora aberta a Pã, a divindade da sexualidade reprodutiva, o gérmen da vida que se prepara para se extinguir com a chegada da estação fria e escura. Após o pino do Sol, as trevas iniciam o galope ascencional a ser coroado no solstício de inverno. Da noite de muitas luzes de São João levamos para casa o alho-porro, planta solar, que nos garantirá um ano rico e abençoado.
A conceção arcaica da origem vegetal do ser humano resistiu nos costumes e tradições populares portugueses, germânicas, indianas e mexicanas. A cada nascimento de uma criança, conta-nos os fabulosos irmãos Grimm, plantava-se uma árvore, para que crescessem em simultâneo. A história dos dois lírios de ouro que iam dizendo se os parentes ausentes passam bem, se florescessem, ou se estariam mal, caso murchassem. Na Ilha de São Miguel, nos Açores, imitavam-se estas tradições populares, pois assim se mitigava a falta de notícias, a distância dos entes emigrados. A condição da planta estava em simbiose com o ciclo humano. 
É interessante o facto de a semente deitada à terra primeiro apodrece, num estado semelhante à morte, para poder despontar e irromper à superfície do solo em forma de planta.Temos aqui um belo ensinamento como se processam os ritmos de continuidade humana: após a morte, há sempre a esperança de um nascimento. É como em vários momentos do nosso percurso existencial: para que seja frutífero, teremos de nos tornar sementes predispostas à deterioração simbólica de um estado para que possamos reverdescer em novas roupagens espirituais. 

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