Yggdrasil: Um Mapa Cosmológico

Tomei como estímulo a celebração, no sétimo dia de julho, de Caprotina, um dos epítetos da romana Juno e a sua faceta como deusa da fertilidade, para lançar o tema da árvore na cosmologia nórdica. E porquê utilizar um exemplo do Velho Império? Porque o sagrado não obedece a etnias ou sistemas culturais específicos. O sagrado é a linguagem mais universal que a natureza nos oferece para que o indivíduo a entenda, apreenda-a e, sobretudo, que a respeite como entidade divina. Juno Caprotina está associada aos caprinos (Capra no latim, "cabra" e caper, "bode") e com a figueira e os seus frutos. Tanto o animal como a referida árvore - diga-se, refúgio da Iluminação de Siddhartha Gautama ou Buda, como preferirem- ambos simbolizam a fecundidade.

Passemos então à Árvore Escandinava:

Yggdrasil é o símbolo máximo da Árvore Cósmica da mitologia escandinava. Um  imponente freixo que se eleva no centro do mundo, cujo tronco é o pivô da revolução da morada dos astros e as suas raízes penetram no abismo, local das forças da morte e da transformação. Tudo o que possui vida e é consciente tem morada nesta Árvore Mítica, que cresce no Centro da Terra, lugar do seu “umbigo” e sobrevive às grandes mudanças cósmicas, servindo de refúgio e berço às novas formas de vida que repovoarão Midgard, após o Ragnarök. É  equivalente à Árvore do Céu dos Gregos, o carvalho onde Zeus colocou o velo de ouro, símbolo de prosperidade, de glória e do qual se originou o mito do signo de carneiro, associado à primavera, ao início, à nova vida.

O Grande Freixo é o Eixo do Mundo à volta do qual gira o mundo terreno, telúrico e estelar, como símbolo da universalidade. Uma das suas três raízes nutre-se da nascente de Urd, Senhora do destino, e daqui une-se a Asgard, reino dos deuses, a outra raiz alimenta-se do líquido do poço da cabeça de Mimir, Senhor das Memórias e da Sabedoria arcaicas, e cresce em direção a Jotunheim, Mundo dos Gigantes, dos seres primevos, e a terceira raiz bebe das águas do depósito do Mundo, Hvergelmir, em Niflheim, a região do gelo e das brumas.

O Grimnismál fala-nos de outra árvore: Laerads, localizada próxima do Valhalla. A origem etimológica desta árvore, referida num dos principais poemas da Edda Poética, tem deixado os mitólogos pouco firmes em relação ao seu significado, sobressaindo as propostas de "doadora de proteção"  ou "doadora de humidade", atendendo, principalmente, à função de Eikthrynir, um  veado de cujos cornos escorrem gotas de água que enchem Hvergelmir, “caldeirão borbulhante”, a principal fonte de todos os recursos hídricos do mundo. Eikthrynir (traduzido literalmente: espinho do carvalho) apresenta similitudes com Thor, o deus fazedor de chuva e regulador das condições atmosféricas, nesta qualidade é o fecundador da terra. As funções deste veado mágico recorda-nos a Árvore Meteorológica dos Vedas, por vezes descrita como a Árvore do Céu Estrelado e noutras como Árvore do Céu Nublado, cujas folhas destilam o elixir da vida, o soma celestial, as águas vivificantes produzidas por Mitra e Varuna.


Heidrun, a cabra distribuidora de hidromel aos guerreiros einherjar, é a companheira de Eikthrynir na copa de Laerads. Estes animais que a povoam são descritos por George Dumézil como possíveis constelações, por se encontrarem dentro do mundo superior, junto aos domínios de Odin. Segundo Uno Holmberg, citado por George Dumézil, Eikthrynir representa a Ursa Maior, a constelação vizinha à Polaris, personificada pela águia situada no cume das Árvores Sagradas das culturas árticas. Os lapões/sami chamam à Ursa Maior de «Rena» ou «Alce», designação comum a muitos povos siberianos. No entender de Uno Holmberg, a cabra e o veado são braços do mesmo tronco estelar, figurando ambos duas constelações pouco móveis.

A criação poética de Laerads decorre da já existente Árvore Soberana, Yggdrasil, também ela rodeada por animais agentes climatéricos: a águia, situada no topo da árvore, é uma ave de elevação que vê tudo como o sol, simbolizando a dimensão superior e luminosa. Nas tradições árticas, a águia é a Estrela Polar, o Ser Supremo de características solares. Entre os seus olhos vivia o falcão Vedhrfolnir, que lhe fornecia toda a informação do mundo terrestre e assumia o papel de vigilante, Vedhrfolnir quer dizer “aquele que empalidece pelo efeito da tempestade”, o que nos esclarece o por quê da função sentinela, que será mais um heliógrafo, oferecendo à águia o controle da sua própria luz ante as ameaças das nuvens negras provenientes do dragão subterrâneo.

O esquilo Ratatosk, "o que viaja", percorre o tronco acicatando a águia, em cima, e o dragão em baixo, mostrando que a polaridade oscila na perpétua tensão criativa da Luz e com a tensão destrutiva das Trevas, neste caso  simbolizando as flutuações atmosféricas entre o céu irradiante e a nebulosidade. 
  

Os veados Daain, Dvalin, Duneyr e Durathror comem as folhagens e musgos que crescem no tronco num processo de regeneração constante da Árvore e da Natureza. Podem também simbolizar os quatro ventos ou os quatro pontos cardeais, embora Uno Holmberg os veja como significadores de constelações.  
Os dois cisnes que nadam no lago em torno de Yggdrasil simbolizam a entrada no Outro Mundo, uma espécie de mediadores entre o mundo terrestre e o mundo subterrâneo. O cisne é uma ave associada à primavera, aos nascimentos, por isso é uma ave solar e símbolo de vida garantida.
Jormundgandr, a serpente gigante que vive nas águas profundas, por estar em volta de Midgard (Terra), como Ouroboros, simboliza o ciclo interminável da vida, e nesta posição é o elemento estruturante que mantém o equilíbrio terrestre. Jormundgandr desempenha o drama da destruição nos finais dos tempos e encarna um curioso confronto atmosférico com Thor, deus dos fenómenos meteorológicos. Na luta desesperada para aniquilar a serpente gigante, com golpes do martelo Mjolnir, Thor produz os temporais marítimos. A serpente é apontada como prosopopeia do relâmpago e dos raios (e até dos rios), pelo que podemos olhar para Jormundgandr como duplo do próprio Thor, o propiciador da chuva, mas num estado mais tumultuoso. 
O dragão Nidhoggr, “devorador de cadáveres”, é o guardião da nascente de Hvergelmir, no submundo, depósito colossal das águas doadas por Eikthrynir, estando, por isso associado à pluviosidade que ele mesmo provoca no seu  conflito com a águia, cumprindo assim ao sua parte no processo dinâmico de fecundação dos solos. As serpentes Graback, Grafvolluth, Goin, Moin corroem as raízes de Yggdrasil, como que a testar a sua resistência e capacidade regenerativa.
 



 

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