Mergulhar em Aegir

Gigante impossível de abraçar mas de força magnética, o mar alimentou os sonhos de muitos povos e tornou-se rota de descobertas para os Viquingues. Pelos seus braços vogaram velhos barcos carregados de história e de lendas, e pelo sopro dos ventos deram à costa povos heróicos, cujas castas inspiraram Sigebert de Gembloux a criar a lenda de que os Francos eram descendentes de troianos. No mito criado no século XII, Sigebert conta como 12 mil troianos, sob o comando do herói Antenor, fugiram à tomada da mítica Troia de Heitor  e navegaram no dorso daquele que a mitologia escandinava chamaria Aegir, até se fixarem nos pântanos fronteiriços à Panonia. E assim fundaram Sicambri. A natureza guerreira deste povo sem medo, segundo Sigebert, está na raiz etimológica de Franco, "feroz"; e diz que os Hunos provêm de um ramo genealógico de uma tribo de bruxas, chamada de Alirune.

Aegir, deus do oceano, um gigante amigo dos deuses de Asgard, e que promovia alegres festas no seu salão debaixo de água, vem do gótico *ahwo, «água». A sua companheira Ran já não gozava de igual estatuto. Ela representava o perigo das águas revoltas pela tempestade, as profundezas no nosso inconsciente, onde povoam os medos e o desafio da superação. Neste reino de incerteza, de dúvida, onde a morte desafia a vida, esforçamo-nos por vencer os obstáculos e seguir em frente, como os temíveis drakkares venciam a resistência das vagas agitadas para encurtar o caminho de chegada.

O palácio dourado de Aegir alude aos tesouros que o indivíduo pode retirar do mar, como fonte de alimento e de vida, mas também lembra-nos as consequências da impulsividade, da reação apaixonada às provocações. Não existem apenas monstros no seu âmago. Há no seu interior um potencial de transformação. Foi do mar que Rig trouxe a semente que criou as três classes sociais: escravos, agricultores e os nobres. Rig, um dos pseudónimos de Heimdall, tornou-se, à semelhança do hindu Agni, o herói civilizador proveniente do mar. O próprio Heimdall nasceu de nove mães ou nove ondas. Era para as águas salgadas de Aegir que se lançavam os barcos-pira, a última morada do chefe de clã. 

Neste espelho não existe limites. O horizonte está em constante atualização.  O  Sol recolhe-se aqui diariamente para se despedir, preparando-se para renascer da escuridão que alegra Ran, Senhora dos Náufragos.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A serpente, a pedra e a moura encantada

Da terra das bruxas, parti com o riso de Baubo

Hoje, falo da Mãe esquecida