Do Monte Santo ao templo de Vénus

Vista dos Penedos de Monsanto
A saltar de penedo em penedo, qual cabra-montês, cortei as nuvens em voos xamânicos em busca do luar, cujas sombras ocultam histórias arcaicas e de ligações afectuosas a divindades outrora poderosas, mas subjugadas por sucessivos cruzeiros de pedra rude. Do alto do Monte Santo, onde resiste um castelo dos templários, avistei a capela de São Pedro de Vir a Corça, que por ação misteriosa, o seu alcance por via pedestre me foi dificultado. Uma mão invisível insistiu guiar-me para as portas do Chão do Touro. Animal lunisolar e emblema sagrado da Deusa nascida do imaginário do Homem primitivo e resistente nos rituais do Mundo Antigo.
Não estou certa da eficácia do touro em fazer cair dos céus as águas seminais características aos cultos taurinos, pois as bocas das terras por onde andei estavam sequiosas e gretadas - o meu coração partiu-se ao ver o rio Ponsul transformado em lodo seco. A bela e mágica Egitânia (atual Idanha-a-Velha) mantém-se firme e parece bater o pé para resistir ao esquecimento e, de quando em vez, faz emergir das suas entranhas lembranças do seu poder religioso e político. Está em projeto escavar mais o seu corpo prenhe de energia e de resíduos arqueológicos ansiosos por nos relatar contos, fábulas de noites em que a magia era tida como presença consciente e sem superstição.
Freixo de Wamba
O seu templo está despido, nas suas paredes restam marcas de tinta da qual se formou uma imagética de reis e rainhas, cujos nomes nem os funcionários do posto de turismo se recordam. Terá Wamba escutado aí os evangelhos, após uma coroação inesperada e escolhida de acordo com a vontade dos deuses pré-cristãos. Tornar-se-ia monarca da Egitânia o visigodo, um simples agricultor, enquanto lavrava os seus terrenos, auxiliado por uma junta de bois: um branco e um vermelho, segundo a profecia. Esses bovinos ainda pastam lentamente por esses terrenos junto ao Ponsul e da sua água parada em pequenas poças saciam a sede. O frondoso freixo garante-lhe a sua memória, praticamente esbatida, pois poucos sabem se ele existiu mesmo.

Altar Igreja Matriz (Idanha-a-Velha)
Voltei para o centro, para o lugar de poder, à Igreja Matriz. Fixei os olhos no altar lateral, voltado para leste, tal como nos cultos antigos, agora repouso dos materiais do pintor que por estes dias se inspira no seu interior e se enleva pelas colunas retiradas ao fórum romano. Foi aqui que os templários decidiram edificar a sua Torre, situada na parte mais alta da povoação - bem escolhido, porque assim estavam mais próximos do céu e ofereciam-lhes uma posição de vigia estratégica. D. Fernando Almeida, o mesmo que identificara o freixo de Wamba, expôs à luz do dia, em 1965, o que estava escondido na base daquela torre: dois blocos de mármore branco que se presumiu, na altura, pertencerem à estátua da divindade venerada e a poucos metros, surgira uma lápide romana que nos indica um possível templo dedicado à deusa Vénus.

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