Urda chama-nos para mais uma volta

O calendário pagão assinala que a 29 de agosto a roca de Urda é o cetro mais importante deste dia, ao cair do pano do mês consagrado ao imperador Augusto. A irmã mais velha das três Nornas simboliza os desígnios do destino, cujo fio de prata se alisa, desde o nosso nascimento, na Grande Roca cósmica. É Urda que nos mostra a teia do nosso passado, mostrando passo a passo os nossos feitos, erros, escolhas feitas e faz-nos encarar de frente com tudo o que fomos construindo e questiona se é neste caminho que pretendemos persistir ou aproveitar a nova rota que elas nos oferece. É poderosa, nem os deuses mais fortes conseguem ludibriar a sua vigilância e é a sua mão que se entende na hora da nossa despedida deste mundo. É Urda quem alimenta e regenera Yggdrasil com a água pura e cristalina da sua nascente, junto a uma das raízes da Árvore Cósmica que se une a Asgard, a residência celeste.
A função de Urda, a Senhora da Origem, sobre a nossa existência assemelha-se ao ciclo do linho. Um processo trabalhoso, moroso e exigente de cuidado. Não é por acaso que a  sabedoria popular o define como "as voltas que o linho dá", devido as várias fase de transformação do linho, desde a sua colheita até à fiação. O linhal constituiu, desde o homem pré-histórico, importante fonte económica e também de união comunitária, pelo facto de envolver todos os seus elementos numa espécie de ritual de bem-estar e de prosperidade local.


A linhaça é atirada por mão masculina aos campos alagadiços, crescendo e progredindo nesse húmus em dimensões idênticas aos arrozais. O linho floresce e as suas bonitas flores azuladas convencem as mulheres às minuciosas operações seguintes. O linho é atado em pequenos molhos para depois serem mergulhados em água de modo a ficarem bastante molhados e maleáveis, e de seguida expostos ao carinho do sol até ficarem secos. Isto tudo leva oito dias de espera. Já bem seco, é sujeito ao bater do malho para ficar macio e fácil de trabalhar. Depois, as mulheres passavam um pente de madeira, o ripanso, com o qual lhe retiravam as pontas grossas persistentes. Quando estivesse bem batido, macio e espadelado, voltava a ser penteado com o cedeiro para que o linho alcance a sua forma final, adquirindo a espessura de um fio de cabelo. Por fim, mete-se no casal, ou noveleiro, instrumento que se compõe por uma roca e um fuso, onde se fia e se formam novelos de linho para depois se poder trabalhar o linho no tear.
A vida desenrola-se também assim: há alturas em que temos de "malhar" nas experiências até ficarem interiorizadas e delas extraídas as necessárias lições para seguirmos para a etapa seguinte; longos,por vezes, são os tempos de "secagem" ou cicatrização de acontecimentos traumáticos; rigorosas também as escolhas até percebemos qual o fio certo a seguir. O fuso gira sem a nossa interferência, porque o destino é assim mesmo, e exige a nossa prontidão para agir no momento oportuno para passar a mais uma etapa.



O segredo é estarmos recetivos como o linho em cada operação que lhe é necessária para se tornar viável no tear. O grande desafio de Urda é esse: recetividade ante os desafios, disponibilidade para a mudança, manter as funções cognitivas ansiosas pela novidade. O limite é Urda que impõe, é ela que sabe quando teremos de morrer, mas também é com ela que aprendemos a viver em espirais de crescimento. 




Comentários

Mensagens populares deste blogue

A serpente, a pedra e a moura encantada

Da terra das bruxas, parti com o riso de Baubo

Hoje, falo da Mãe esquecida