Em maio as fragrâncias são prazeres

O Sol começa a ganhar força a meados de maio, sob a gerência da bela Maia, a irmã mais velha das Plêiades, progenitora de Mercúrio. Ainda embalada pela intervenção no restaurante celta Endovélico, lanço aqui algumas sementes ao corpo fértil da deusa romana, cuja essência camuflada no costume popular de enfeitar as janelas e as portas das casas com flores amarelas de giesta. Na suavidade da claridade da época, em tempos remotos integrado no corpus de ritos orgiásticos, desabrocha no peito de cada jovem os prazeres do regime de maternidade. A Mãe-Terra manifesta-se em qualquer um dos seus avatares em eflúvios ctónicos que nos recorda a reverência pelas dádiva da Natureza. Os ramos das Maias, protegem-nos das forças caóticas substanciadas na figura do Diabo, vulgo carrapato, e atraem a força fálica dos raios solares. As festas populares de maio são disfarces de cultos hetairistas suplantados pelo regime de paternidade, do Deus uraniano, intangível, por isso necessário o recurso intermediário da cúria.
A Mãe é sempre mais próxima, aconchegante, risonha, mas também sisuda e educadora. Ela dá-se,mas exige respeito, reconhecimento da sua prole. Ela é Vida, é morte. É ciclo contínuo, a promessa feita certeza de retornos sucessivos acompanhando o reverdejar da copa das árvores e o voo das aves migratórias. Maio desnuda o seu belo e torneado corpo, as fartas coxas abrem-se em convite ao supremo deleite. 

A demopsicologia de maio radica-se aos tempos dos gregos e dos romanos em que o homem homenageava Maia, a deusa do crescimento; que integra ainda Florália, em honra da deusa Flora. A festa alegre e ruidosa das flores, permitida à participação das prostitutas, numa espécie de convívio arcaico em que a sexualidade é tão natural como o desabrochar da flor. A prostituição sagrada é aqui uma distante e ténue recordação. Celebremos o espírito da vegetação e façamos o conjuro da fecundidade. Freya ensinou-nos canções sensuais e estimulantes, e fez-nos ver o horizonte para lá do pudor castrador. A mulher tem de reclamar a pertença do seu útero como vaso graálico, e inteligência exuberante. 

A influência cristã inibiu as jovens e os jovens dos seus jogos amorosos de maio. O poder do povo, pelo seu afeto à herança dos antepassados, simulou a resposta às ordens eclesiásticas com meninas enfeitadas com flores, personificando as "Maias", que percorrem as ruas da povoação acompanhada pelas companheiras, espalhando frescas fragrâncias. O "Maio-moço", rapaz encarnando o espírito da vegetação corre pelos campos esconjurando os males que atingem as capacidades reprodutivas dos solos. Na juventude das personagens de maio subjaz o rito de hiero gamos, o casal divino do género Frey e Freya, divindades nórdicas da fertilidade. A conotação sexual é incontornável. Em maio, os botões brancos do pirilteiro acenam aos jovens casais e na sombra dos seus espinhos abre-lhes o leito para o êxtase do instinto sexual. 
Ao ritmo ofegante dos corpos entrelaçados, a terra estimula os seus próprios órgãos reprodutivos em gestação da vida, do alimento, do regresso da luz. O sol e a terra, o deus e a deusa fundem-se num beijo arrebatador da alma infinita da criação. A ordem volta, invicta após a estação escura terminada nas fogueiras de Beltaine. A dança liberta os preconceitos do corpo, o fogo expande.

A Mãe-Terra não está esquecida nas profundezas. Ela resiste à imposição do trono despótico da religião que lhe denegriu o seu regaço como sendo a boca do inferno ígneo, doloroso e desmemoriado. 




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