Sigurd: o modelo guerreiro-herói

Sigurd é um modelo épico e metafísico das emoções básicas
através da vitória sobre as forças hostis simbolizadas pela serpente-dragão,
que venceu as forças do psiquismo obscuro e entorpecentes do comportamento e
consciência humana, mas, por outro lado, prometem o acesso aos tesouros ocultos
do espírito. O dragão é um agente que conduz à transcendência pela imagem
teriofórmica dos medos inconscientes. Sigurd superou a primeira etapa
iniciática e acedeu ao arquivo precioso de um Antepassado Mítico, arrancando o
coração de Fáfnir com a espada fulminante Gram, "Ira". O coração é o
órgão central do indivíduo, pelo que é análogo à noção de centro. Tomar posse do coração é o mesmo que dominar o centro do mundo - o trono do
Deus. O Graal converte-se, na lenda de José Arimateia, num substituto do
coração, que é o recetáculo natural do sangue.
O Graal, neste contexto, é o cálice que contém o sangue da ferida de Cristo, ou
seja o mistério da ressurreição.
O
processo do herói nórdico visa o resgate do Espírito, da parte solar. Sigurd
apresenta-se a Fáfnir como “Nobre Veado. O
veado tem conotações solares, cuja simbologia aparece estampada no caldeirão
Gundestrap, na figura do protetor dos guerreiros, Cernnunos, sentado em posição
meditativa, representado com cornos de cervo e a dominar uma serpente cornuda. A
lenda de Sigurd ilustra o eterno combate entre as polaridades contraditórias
essenciais à construção da identidade divina. Ele é o Parsifal da ópera de
Richard Wagner que resiste a Kundry, uma mulher de duas naturezas opostas: uma,
como servidora do Graal; outra como escrava de Klingsor, senhor da matéria. De
um lado, o dia, a potência solar; do outro, a noite, a potência das trevas. O
nome de Sigurd é um compósito de Sig, que significa vitória, luz, cura,
e empresta a sua raiz à Runa Sigel
(Vitória do Sol), e de Urd, curiosamente a designação de
uma das três irmãs do Destino. Urd é a mais velha, simbolizando a origem dos
Tempos, o Passado e a que detém o poder absoluto sobre o destino. No seu fuso de prata, ela trabalha a
extensão de vida dos Homens e dos Deuses. Sigurd é, portanto, um herói que
vence a temporalidade para afirmar-se na Imortalidade ao aniquilar a
Serpente-Dragão. Ele atinge a iluminação consciencial ao apoderar-se do conhecimento
esotérico contido no coração do dragão. Quando cozinhava o órgão vital
do moribundo Fáfnir, queimou o dedo polegar levando-o à boca
para aplacar a dor, de cujo gesto sorve um pouco do sangue do dragão. De
repente, começou a perceber o dialeto dos pássaros, os núncios dos deuses, e o
sussurro das folhas das árvores que lhe decretam um auspicioso futuro como
guerreiro, orientando ainda ao resgate da donzela-fogo, Brunhild, mergulhada
num sono profundo na montanha.
O sangue dragontino contém os mistérios da linguagem
da natureza. Ele vive aqui uma primeira viagem iniciática de fundo xamânico e
avança para uma Iniciação Superior ao subir à montanha Hindfell, onde o
esperava Brunhild, protegida por uma espessa muralha de fogo. Sigurd tentou
atravessá-la, mas a travessia só foi possível na montada de Greyfeel, descendente
do cavalo mágico Sleipnir, experienciando, pois, mais uma viagem xamânica entre
mundos. Sigurd cruza, assim, a dimensão espaciotemporal e entra num patamar
intermédio muito perto ao mundo espiritual. Aliás, as valkyrjur habitam num
plano apenas acessível aos deuses, e são as psicomensageiras de Odin
provenientes do Paraíso dos Imortais - o Valhalla.
O conhecimento mágico
conferido pelo Graal do dragão conhece uma nova etapa, esta por via do Fogo e
da Luz (qual Lúcifer). Sigurd liberta Brunhild ao retirar-lhe o elmo, uma
espécie de máscara, soltando os seus belos cachos dourados - metáfora para Sol
-, e depois abre-lhe a armadura com a espada e depara-se com uma bela donzela
vestida com uma túnica de branco puro e brilhante (Luz). Brunhild é como a
Brancaflor de Chrétien de Troyes, e Sigurd o herói Perceval que salva a donzela
e restitui a alegria no castelo Beaunepaire. O despertar de Brunhild tem todos
os ingredientes do mito solar do renascimento e da ação complementar do Sol
sobre a Lua: da mesma forma que o astro da noite é vitalizado e reflete a luz
solar, Sigurd, sendo a personificação do astro do dia, reavive o corpo inerte e recetivo de Brunhild,
que, assim, acorda com os primeiros raios da alvorada.
Embora tenha sido condenada ao
sono eterno por desobedecer a Odin e obrigada a conhecer o amor dos mortais, o
Pai Supremo manteve-lhe o estatuto de valkyrja, a donzela capaz de desvelar o
mais corajoso de todos os guerreiros e a
portadora da sabedoria arcana das Runas. Neste sentido, Brunhild é a Iniciadora
de Sigurd, o elemento que a completa. Ela acorda com o romper da alvorada, e
estimula jovem guerreiro a selar a união com o anel de Andvari, recriando um rito de agregação, neste caso,
de Brunhild à realidade profana de onde
provém o jovem guerreiro. É nesse momento que Brunhild, em gesto de aceitação de Sigurd ao
mundo sobrenatural, lhe oferece um corno cheio de hidromel como taça da memória (minnis-cup) e transfere-lhe o poder das Runas. Com esta doação, ela consagra a Iniciação
final e equipara Sigurd a Odin, este que teve de se submeter ao autossacrifício
para aceder aos mistérios rúnicos. A transferência deste poder supremo implica
um estado ético elevado, não podendo ser aplicado com qualquer juízo confuso ou
com intenções corruptíveis. Brunhild é a Iniciadora, uma espécie de Esclarmunda,
criada por Wolfram von Eschenbach, a virgem guerreira cátara que traz o Santo Graal,
precedida de 25 mulheres segurando tochas, facas de prata e uma mesa talhada em
uma esmeralda - a pedra de Lúcifer.
Brunhild,
porém, é uma mulher virtual, cuja essência mantém-se imaculada apenas na
montanha, o símbolo do eixo do Mundo. Enquanto ambos permanecem neste recinto, a
clareza mental não é afetada ou desviada pelas imperfeições humanas. Ao deixar
Brunhild em Hindfell, Sigurd retoma ao plano mundano e é pervertido pela
ganância de terceiros e passa a viver sob o efeito da ilusão. O enredo envolve
Brunhild, resgatada da Montanha por artes mágicas ….disfarçado de Sigurd. O
drama desenvolve-se em forte tensão emocional e de vingança. É impossível um
relacionamento no plano mundano e nos breves momentos possíveis de intimidade
Sigurd partilha o leito com Brunhild mas com a espada a separá-los. A espada separa,
delimita e é também símbolo de luz e da força do relâmpago. Nota-se neste ato a certeza de que ambos
pertencem a domínios diferentes e que só na morte física a união será exequível:
juntos fazem a viagem na pira funerária. Pelo fogo se conhecem e pelo fogo se
unem, definitivamente.
maravilhoso exelente Hail Odin Hail Thor
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