Vamos seguir a "nossa" estrela

Insculturas rupestres da Fechadura
Durante as minhas férias, no retorno a Pedrogão Grande (ao coração do nosso tão belo Pinhal Interior!!!!) tive notícias de umas "estrelas" lá para as bandas da Fechadura, na rota dos pastores - cuja memória foi resgatada pela município da Sertã -, insculpidas no xisto. Do seu significado, sob o ponto de vista arqueológico, nada se sabe, aqueles riscos na pedra nada dizem aos académicos que por lá puseram os seus olhos. Os pentagramas que o homem primitivo cravou no "pergaminho" pétreo não passam disso mesmo: de símbolos de contexto desconhecido. De súbito, como que a rasgar-me o cérebro, surge-me à ideia o belo e rico trabalho de pesquisa de Fábio Silva, o arqueólogo português (que tive o privilégio de conhecer e de manter na minha lista de pessoas altamente recomendáveis) que descobriu a origem pré-histórica do nome da Serra da Estrela. Fábio aplicou os instrumentos da arqueoastronomia para entender as razões por que as construções megalíticas no Vale do Mondego estavam orientadas para a Serra da Estrela. Ao fim de três anos, eis que uma estrela brilhou mais intensamente nas observações analíticas de Fábio: era em Aldebrã que o olhar do homem primitivo perscrutava como marcador sazonal. Ao nascimento da estrela brilhante e vermelha, a mais luminosa da constelação de Touro (há seis mil anos!!!!) dava-se o sinal verde para as pastagens dos rebanhos e confirmava a chegada dos meses quentes.
Se os sábios seguem as estrelas, então os pastores da pré-história eram detentores de uma sapiência inata, qualidade que desapareceu da intuição da maioria dos seres humanos da era espacial e da nanotecnologia, de cujo olhar desapareceu o reflexo das estrelas. Fábio foi atrás de uma lenda de um pastor que se deslumbra com a beleza de Aldebrã e decide ir ao seu encontro. Quando chega à serra, sobre a qual cintilava a referida estrela, batiza-a então de Serra da Estrela.
E se na base das motivações criativas dos indivíduos que viveram nas encostas do agora denominado Picoto do Rainho fossem parecidas, ou a expressão de uma manifestação divina? E se uma estrela de uma dada constelação constituísse um sinal específico num determinado período sagrado do ano; e esses homens do Calcolítico a marcassem na pedra, tal como aconteceu em Pala Pinta, onde ficou registada a passagem de um cometa? ("Iluminação" de outro português: Gonçalo Pereira). Encontramos tantos episódios em que a estrela é a personagem central, inspirando espiritualmente peregrinações transcendentes, indicando lugares de poder numinoso, onde se ergueram templos que o Cristianismo reformulou de acordo com os seus dogmas patriarcais.
A estrela foi absorvida no atavismo coletivo como lembrança das almas dos mortos providos de novos corpos astrais, que nos protegem no espaço sideral, preservando a força do culto dos antepassados. Há algo de extraordinário, sobretudo mistérico, naquele ponto aparentemente fixo que emana  uma luz desafiante, como se fosse uma entidade independente do Sol. Por que razão no passado, que nos parece tão longínquo, esse ser celeste se manifestava e impelia aquele que a soubesse interpretar à caminhada transfigurativa!!??? Porque agora recusamos a  "ver" com os verdadeiros olhos que desvelam o véu da Rainha dos Céus.
Relicário do Apóstolo Tiago
A Mãe das Estrelas continua entre nós, pacientemente ignorada a oriente e a ocidente, apenas com o estatuto de uma simples estrela no firmamento. Aquela que na fundura do tempo incorporava no corpo  de Astarte, Astraea, Ester, Istar, Vénus, Stella Maris ou Diana Lucifera.O equivalente feminino de Lúcifer "O que traz a Luz" da sabedoria, a libertação absoluta da ortodoxia de um Pai carinhoso só para os obedientes, servos da ignorância e algozes do poder ofídico da mulher. Que saudades, dolorosa nostalgia do regime ginocrático que pela arcaica Galiza prevaleceu, e foi sobrevivendo nas diaconisas suevas de que nos dá conta Dalila Pereira da Costa (Da Serpente à Imaculada). E se, porventura, as "estrelas" rupestres da Fechadura forem a "chave" de uma tradição dedicada à Deusa atirada para o meio das silvas, nas camadas milenares de pó ocultando a história original das "vulvas" emparelhadas com elas na dita laje de xisto? Vénus, Sirona ou Ariarbrhod...; sei lá, tantas estrelas devem andar por aí algures perdidas, escondidas debaixo da terra, camufladas de mouras encantadas, de serpentes guardiãs de inesgotáveis tesouros. A este propósito, na ilustração do artigo de Gonçalo Pereira, na National Geographic, o privilégio é dado a uma mulher, como possível criadora do registo rupestre no painel do abrigo de Pala Pinta, da passagem cometa há mais de cinco mil anos. Eugénio Queirós, meu amigo, jornalista e arqueólogo, explicou-me que seria mais do que provável que fossem as mulheres com maior disponibilidade para este tipo de criações artísticas primitivas, dadas as longas ausências do homem caçador-recolector. 
No Tarot, a Estrela anuncia esperança, é a promessa de um amanhecer novo após o caos e a morte. A sua luz ilumina a escuridão; e foi a bússola brilhante que no século IX indicara o local de sepultura do apóstolo Tiago (há duas versões  para a mesma história). As relíquias do santo - cuja passagem por este ponto extremo do ocidente é bastante inverosímil - encontram-se numa urna de prata, sob a vigília de uma estrela, na Cripta da Capela-Mor, juntamente  com os seus dois discípulos. Novos factos, porém, colocam dentro daquele pequeno caixão prateado - a mesma cor das estrelas!!! - os restos mortais de Prisciliano, o bispo de Ávila, que tão bem soube interpretar a cartilha do Cristianismo primitivo, mas morreu condenado como herege injustamente - ele e mais dois bispos. Prisciliano foi aniquilado por uma Igreja tirânica que odiava os bailados litúrgicos noturnos que consentiam, e necessitavam, a presença de mulheres em igualdade política, jurídica e social.

Prisciliano conciliou a religião emergente à liberdade
Fontanário dos Cavalos
Santiago de Compostela
sacerdotal feminina que transitava do culto pré-cristão à Deusa. Antes de se tornar Santigo de Compostela, este canto noroeste da Ibéria era o santuário original da celta Brigid, "A Brilhante". Os romanos apelidaram-na de Dea Brigantea, e dela sai o topónimo primitivo, Brigantium; a concha de vieira era o seu símbolo yónico (o Grego  Kteis «vieira», «vagina», significado utilizado para Grande Mãe ou Deusa. Sintetiza a espiritualidade, criatividade, artes, feminilidade, beleza e mistério).  O nascimento de Vénus de Botticelli e de Ticiano ilustram na perfeição a associação da concha da vieira à fecundidade ligada ao prazer sexual, à prosperidade e à sorte, evocando as águas de onde provém. Mais impressivo: o convite ao renascimento pelas águas salgadas, ao retorno do abismo oceânico, à imersão no líquido dissolvente das formas, ao tanque celestial onde o indivíduo vence a morte e de lá emerge como novo Ser espiritual. A concha da vieira, estilização da  "estrela" Vénus, simboliza a sepultura uterina, a gruta do inestimável tesouro do "Homem Despido". A nudez translúcida de Vénus aquando do seu parto, a mesma vivência do peregrino quando alcança a última pedra de Finisterra, no culminar da caminhada seguindo a orientação Este-Oeste da Via Láctea: a leste nascera como mortal e a oeste despede-se das roupagens de carne nas águas vigiadas por Vénus poente. 
No Fontanário dos Cavalos, no centro da Praça das Pratarias (designação tão apropriada), altiva e resoluta a Estrela, lembrança permanente da evocação celeste da Deusa, aponta um foco de luz em direção ao pórtico desde o ponto do seu crepúsculo.
O renascimento é uma festa em tons sanguíneos, pois é essa a promessa realizada pela Vénus nascente. A estrela da manhã chega antes do Sol e lança no céu a cor vermelha do seu sangue do parto do novo Ser; anunciadora do renascimento perpétuo do dia, símbolo do princípio da vida. A Oeste, ela antecipa-se à Lua e mostra o caminho às suas irmãs estrelas e seduz-nos ao mergulho na sua gruta de deleites.
A finalizar, recupero a estrela que me sussurrou encantamentos vários, conduzindo a minha intuição a outra estrela, no monte de Nossa Senhora da Confiança, em Pedrogão Pequeno. Ela contou-me que se manifestara pela força das preces de um fidalgo injustamente encarcerado, transmitindo-lhe esperança e confiança de que seria salvo. Em agradecimento, o fidalgo mandou erguer uma igreja a Ela dedicada: à Senhora da Confiança. O templo cristão esconde, porém, vestígios de um castro, onde, provavelmente, se cultuara uma divindade feminina.

Vamos, então, à procura das outras estrelas "pendentes", e contar os seus segredos pristinos????

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