Sleipnir: Veículo das Viagens Extáticas
Animal
psicopompo, o cavalo simboliza no xamanismo o veículo que provoca a rutura de
nível promovendo a passagem brusca da consciência para lá das fronteiras dos
Outros Mundos. O seu galope embala o
xamã na sua viagem extática pelos Mundos supersensíveis, em busca de conselhos
dos Ancentrais e de dos espíritos. Nascido da união de Loki, metamorfaseado em égua, com o cavalo-gigante Svaldfir, Sleipnir concentra o pode do fogo e da agilidade (pela parte de Loki) e alude ao movimento
rápido e feroz, tal como a propagação das chamas pela ação do vento (Odin), e a tudo o que escapa ao controlo físico. A sua velocidade não se sustém
perante os obstáculos! As suas oito patas recordam-nos as oito linhas duplas
desenhadas no centro do tambor xamânico, simbolizando os oito pés que erguem a
Terra acima do mar, definindo os oito pontos cardeais e as oito direções do
Tempo e do Espaço, bem como a força da serpente. O ponto central do instrumento representa o “Centro do
Mundo”, a porta de entrada para as dimensões cósmicas, sendo equiparado à
árvore xamânica de vários degraus, por onde o xamã sobe simbolicamente ao
Céu. É montado no Grande Freixo,
Yggdrasil, plantado no Centro do Mundo, que Odin acede, ao fim de uma ascese de
nove noites e nove dias, à Sabedoria Antiga das runas e absorve os poderes
mágicos da Tradição Nórdica. Aqui, ele atinge o êxtase da morte iniciática,
atestando, assim, a sua capacidade de deixar a condição humana, tal como o xamã
durante a sua visita frenética pelo Mundo dos Espíritos. O bater dos cascos do
cavalo reproduz a musicalidade mágica do tambor que induz o xamã a um lento e
progressivo mergulho nos estratos mais profundos da sua mente. O cavalo e o
tambor desempenham a função de despertadores de consciência, funcionando como
instrumentos de abertura ao êxtase.
O
xamã monta o seu tambor, como Odin o seu cavalo Sleipnir. Ambos se fundem na
sua montada selvagem e, em simultâneo, libertam-se das limitações
espaço-temporais, voando pelas dimensões espirituais, formando uma só entidade
inseparáveis na viagem de descoberta dos Mistérios Ancestrais. O Deus Supremo
nórdico aparece representado numa estela unido ao seu cavalo otópode e entre
as duas patas enrosca-se em leminiscata uma serpente - animal solidário aos
poderes mágico-religiosos do Inferno e da transformação. O cavalo e a serpente
são utilizados nas viagens extáticas na descida à residência dos mortos. Nesta
representação lítica, Odin celebra o seu estatuto de xamã. Erguendo o corno
cheio de hidromel é saudado pelas Valkyrjar no Valhalla, paraíso das Almas dos
Guerreiros Imortais. É o cavalo que conduz as Almas ao Outro Mundo e é o tambor
que transporta o xamã para a Realidade dos Espíritos. Na mitologia nórdica, as
Valkyrjar são as psico-mensageiras de Odin, que carregam, nos seus cavalos
brancos, a alma dos heróis escolhidos para viverem eternamente nas
delícias do Valhalla. Num ritmo compassado, o xamã evoca com o seu tambor
cerimonial os espíritos, a memória dos Antepassados Míticos, deixando o Mundo
Profano para se tornar também ele um “morto”! Estelas rúnicas encontradas na
Escandinávia provam a função funerária de Sleipnir, que transporta no seu dorso
um corpo inerte de um guerreiro.
Sleipnir
é companheiro do vento que beija a terra, abraça o ar e agita as águas, o seu
corpo cinzento mostra que ele se move entre a luz e as trevas, o Mundo Superior
e o Mundo Inferior, aglutinando a ambivalência da natureza do xamã. Pois,
também ele se orienta pelos dois polos cósmicos, sem, contudo, pertencer a
nenhum deles. Composto de partes iguais de preto e branco, o cinzento equivale
ao centro do campo de forças opostas. Sleipnir expressa o equilíbrio entre
polaridades antagónicas, sendo o ponto por onde Odin penetra nas dimensões suprassensíveis. Ao ressoar o tambor, o xamã incorpora-se no centro de tudo,
libertando-se de si mesmo para se integrar no esquema da grande ordem
Universal!
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